Comentando discografias: Metallica – Parte 3: Tempos estranhos…

tumblr_li4o9l0lLI1qbqb1do1_500Em 1991, o Metallica chegou ao topo com o seu álbum homônimo. Sua tentativa de largar a complexidade adquirida no final dos anos 80 para abraçar um lado mais comercial e sobreviver ao grunge foi certeira. Mais admirável ainda foi o fato de terem conseguido manter sua essência nesse processo. No entanto, já nos anos 90 a indústria da música mostrava como estava para se tornar completamente inconstante e o grunge afundou tão rápido quanto estourou (o Pearl Jam foi a única banda do gênero a se manter relevante por todos esses anos).

Os estilos bem definidos começavam a desaparecer e as bandas que surgiam começavam a fazer músicas que não obedeciam a um rótulo específico. E para o completo desespero dos fãs de heavy metal, o Metallica ia seguir de forma mais firme nas tendências do rock para se manter no topo. A partir de agora, as coisas começavam a ficar estranhas… de verdade.

Algo de estranho no reino…

Load (1996)

melecaNo álbum anterior, o Metallica apenas deu um outro caminho para um som que eles já faziam. Mas em Load, eles deixaram tudo, absolutamente tudo que tinham feito até aquele momento de lado e pareciam determinados a recomeçar do zero. Não dá pra falar desse álbum sem citar as mudanças na identidade visual da banda na época. Os cabelos longos foram embora, para completo horror dos fãs conservadores. Entraram maquiagens e delineadores que nem James sabe explicar hoje em dia.

O logo da banda também foi alterado para uma versão menos agressiva e mais… moderna (olhando hoje, parece uma daquelas bandas que só fingem serem pesadas… que era bem o que o Metallica fazia na época, convenhamos).

Sobre o álbum em si, é talvez o trabalho mais difícil de julgar da banda. Existem músicas realmente boas. “Ain’t My Bitch” é animada e cativante, perfeita para abrir o álbum, “Hero of the Day” é uma leve e envolvente balada, “Mama Said” é bonita e sincera e “King Nothing” foi feita para virar um hit, com uma levada viciante. Elas só tem um pequeno problema, que é o que invalida tudo o que foi dito nesse parágrafo até agora: não existe um mísero segundo que alguma delas lembre Metallica.

Levando isso em conta, a primeira música pode ter uma melodia animada mas chega a dar pena de tão pobre, “Hero of the Day” soa como se o U2 de repente tivesse tentado tocar um som mais pesado, “King Nothing” é realmente excelente, mas podia muito bem ser uma música de qualquer banda de hard rock surgida semana passada e “Mama Said” é de fato bonita, mas é impossível ouvi-la sem pensar “Meu Deus, é o Metallica tocando country”.

E isso porque nem foram citadas as músicas fracas. “2×4” enjoa já no primeiro refrão e depois dela, quase toda a segunda metade de Load é completamente descartável: “Cure” é daquelas que passa e você nem prestou atenção, “Poor Twisted Me” beira ao constrangedor, com sua letra repetitiva e os gritos de James e “Ronnie” é digna de parar de ouvir e esconder o álbum pra sempre, mas como é a penúltima música, ainda dá para resistir.

Apesar de tudo isso, Load ainda não chega a ser ruim como a turma do “Metallica acabou no … And Justice for All” gosta de falar. No seu lado mais melancólico, a banda, ainda que afastada do sua identidade, conseguiu fazer músicas que passassem por cima disso. “Until it Sleeps” é realmente uma das composições mais poderosas de James, um desabafo sincero sobre a dor que se abateu de todos os lados na sua família. “Bleeding Me” e “The Outlaw Torn” também são ótimos trabalhos (a primeira principalmente, com um refrão e uma bridge sensacionais), mas que sem dúvida ficariam melhor se não fossem tão desnecessariamente extensos (uma tem pouco mais de 8 minutos e a segunda teve que ser encurtada para caber no álbum).

Com 14 faixas e 78 minutos, Load é também o trabalho mais cansativo do Metallica até hoje, já que de todas essas, dá para contar nos dedos quantas são dignas de serem ouvidas novamente. Se reinventar é algo necessário para uma banda, principalmente no caso deles, que atingiram o topo. Mas Load soa simplesmente como se eles tivessem esquecido que já tinham uma base de fãs formada, pareceu que eles queriam que todos esquecessem que o Metallica já existia há 13 anos para poderem começar do zero sem problemas.

E se com 14 faixas o álbum já não foi bom o suficiente, o que esperar quando a banda resolve anunciar que lançaria uma continuação direta dele, com as composições que sobraram? A partir daí, pelo menos dentro do estúdio, foi que a coisa ficou feia de verdade…

Nota: 6
Para prestar atenção: “Until it Sleeps”, por mais que também esteja distante do que o Metallica fazia, é fantástica (e o clipe apesar visualmente incrível, também mostra com perfeição todos os exageros dessa era na carreira deles).
Para pular na primeira ouvida: Depois das sete primeiras músicas (onde estão a maior parte das músicas boas), pule para “Mama Said”, se espante com o fato de que é Metallica e pode desligar sem se sentir culpado.

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ReLoad (1997)

Reload-Cover

É como chegar na festa depois que todas as músicas boas já tocaram. É chegar na mesa pra comer frango e só ter osso. É como um fim de feira, como shampoo com água, é Coca-Cola sem gás. Isso é ReLoad, a inexplicável continuação de um álbum que por si só, já tinha mais músicas do que devia. Como a própria banda anunciou, eram composições de Load que não couberam no álbum e, como eles desistiram da ideia (que seria ainda pior, mas pelo menos seria uma pancada só) de lançarem um álbum duplo, lançariam a segunda parte apenas um ano depois.

Coincidência ou não, o Metallica deixou para ReLoad todas as músicas realmente ruins que fizeram no período de composição destes álbuns (por isso tem cara de fim de festa). Salvo uma mísera música (com ressalvas), nada se salva. “Fuel” e “The Memory Remains”, os dois principais singles, são uma verdadeira ode a falta de inspiração (Uma música sobre carros tunados? Sério mesmo?) e a segunda é ainda pior por contar com a traumatizante participação de Mariane Faithfull gemendo nos refrões. Ironicamente, são únicas dessa fase da banda que ainda são tocadas ao vivo, porque apesar de serem ruins no álbum, elas tem um poder inacreditável ao vivo – principalmente “Fuel”.

Elas ficam um pouco melhores, claro, quando se ouve tudo o que vem depois. Coisas como “Slither” e  “Carpe Diem Baby” chegam ao nível de vergonha alheia (o refrão da primeira é nauseante) de tão ruins. “Bad Seed” beira ao patético, terrivelmente mixada e “Low’s Man Lyric” parece uma piada de mau gosto feita pela banda no estúdio que eles resolveram colocar no álbum só de sacanagem, lenta e enjoativa.

Nesse mar de irrelevância, a única que consegue se sobressair, ainda que com várias ressalvas, é a pretensiosa “The Unforgiven II”. Livremente inspirada na fantástica balada do Black Album, ela é a única que parece ter algo a dizer. Passa longe de superar a original, claro, mas tem uma letra excelente e uma bela melodia, mesmo sendo só uma versão mais pop e mais pesada da original, seguindo ainda a mesma estrutura. Quando se ouve ela numa playlist com várias músicas da banda, nem chega a ser tão boa assim, mas num álbum tão cretino, ela se destaca facilmente.

O Metallica resolveu fazer algo tão diferente,  na tentativa de fugir de qualquer rótulo, que pareciam ter começado uma nova banda. Compuseram 26 músicas para lançarem após o sucesso do Black Album e no fim, menos de 10 eram realmente boas. Se o Load era extenso demais, o ReLoad sequer precisava existir. Depois dessa estratégia puramente comercial (já que artisticamente foi um tiro no pé), a banda ia ficar uns bons anos sem lançar nada de novo.

Mesmo que de forma tortuosa, o Metallica passou pelos anos 90 com a popularidade intacta, na verdade, ainda maior do que a que já tinha antes da década começar. Nos próximos anos, o nome da banda ainda seria muito lembrado, mas o próximo álbum de estúdio da banda demoraria para sair e, quando saísse, teria um impacto negativo o suficiente para fazer todos os fãs temerem pelo fim…

Nota: 4
Preste atenção em: “The Unforgiven II”. É a única coisa boa do álbum.
Para pular depois da primeira ouvida: Ouviu Load inteiro? Se sim, pode pular esse aqui inteiro.

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Na próxima parte, o Metallica vai relembrando o passado com lançamentos de um álbum de covers e uma histórica apresentação ao vivo com a Orquestra de San Francisco. Era um período de leve calmaria. Mas como já antecipa o ditado milenar, depois disso viria uma tempestade sem precedentes… e essa quase levaria a banda junto. A história e as análises continuam nos próximos posts!

Um comentário sobre “Comentando discografias: Metallica – Parte 3: Tempos estranhos…

  1. Eu só concordo com você se for analisar como concorrente desses álbuns a própria banda em si e os que vieram antes, ou seja, eles são ruins comparados ao que a banda já tinha feito, isso também para fãs de algo mais pesado. Agora se for compará-los à maioria das bandas da época e também das que vieram depois, os dois são muito bons mesmo. E se for ver bem, acho que serviram para atrair pessoas que gostavam do rock mais leve a curtir Metallica. Minha análise é que para fãs da banda desde o começo, soaram como uma piada, mas para pessoas que gostavam de Hard Rock e outros estilos, foi como um convite para escutar a banda e, a partir disso que vem os pontos negativos, pois parte desse rebanho foi ouvir Metallica de verdade, buscando saber sobre a banda e se tornando fã e parte se tornou aquele fã ‘poser’ que quando vai à shows acaba mexendo a boca de modo parecido com as letras, apenas para dizer que sabe tudo e ser ‘cool’.
    Eu gosto de sempre ver o lado bom de todas as coisas, entende? Talvez eu tenha descrito a parte que você disse ser comercial, mas não é por isso que temos que ignorar os ótimos solos do Kirk, por exemplo, que como já disse, se comparados a qualquer banda daquela época estaria no mesmo nível ou acima da maioria delas.
    Não sou a pessoa mais indicada para falar de Metallica, conheço a banda há algum tempo, mas só agora fui ouvir completamente. Digo que gostei muito da banda e, no caso de bandas que sou fã, mesmo naquelas músicas que lançam apenas por lançar, no caso do Pearl Jam, posso usar de exemplo a ‘Bugs’, do Vitalogy. Eles não esperavam nada com a música, mas com certeza tem sentimentos e mensagens que Eddie e sua turma queriam passar com ela. Como fã, eu acho que deve haver essa troca com a banda, relevar essas coisas, sabe, deixar passar e tirar o que há de bom daquilo.
    Por fim, estou comentando por que acho que você está de bobeira, deveria estar trabalhando na Rolling Stones ou semelhante uhehuehueuheuhe e parabéns! A análise ficou muito boa. Para mim serviu para conhecer melhor a banda e certamente, se alguém que já conhece ler, achará uma crítica válida.

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