Comentando discografias: Metallica – Parte 2: Chegando no topo

Depois de fazerem história nos anos 80, o Metallica se viu numa encruzilhada: eles podiam continuar onde estavam, fazendo mais um álbum no mesmo estilo do que já estavam fazendo ou podiam tentar se reinventar. No fim, a banda preferiu seguir pela segunda opção, mas com uma estratégia completamente inusitada: ignorando todas as suas principais ideologias estabelecidas no início da carreira, o quarteto resolveu apostar no que sempre repudiaram publicamente: O apelo comercial.

A mudança de rumo transformou eles em uma das bandas mais famosas do mundo, mas não exatamente uma das mais amadas. Mas antes de começarem a causar polêmicas com músicas que lembravam tudo, menos Metallica, eles conseguiram acertar em cheio…

O auge

Metallica (Black Album) – 1991

Eles deram início a um gênero novo e underground, principalmente por repudiarem o cenário comercial do rock nos anos 80 e conseguiram seu sucesso até o começo dos anos 90 quase todo pelos próprios méritos (salvo por “One”, o angustiante e bem-sucedido primeiro clipe da banda, exibido na MTV).

Contra todas as expectativas, em 1991, com o grunge estourando e o heavy metal começando a entrar em declínio, o Metallica foi contra a sua ideologia inicial e resolveu reescrever as regras, chamaram um produtor famoso (Bob Rock), que os afetou criativamente, fazendo um álbum super-produzido e tão absurdamente comercial que, se  alguém falasse para os rapazes que lançaram Kill ‘Em All em 83, que eles lançariam algo do tipo, provável que eles respondessem com xingamentos e agressões.

Isso não quer dizer que o álbum homônimo da banda é ruim. Muito pelo contrário: o “Black Album” (como é popularmente conhecido) é espetacular, são 12 músicas, todas, como eles planejavam, com um poder inabalável para virarem hits (como de fato acabaram virando). Prova disso é que o álbum já começa com a música mais popular da carreira do quarteto até hoje, a viciante “Enter Sandman”.

Só ela já mostra perfeitamente os novos rumos do Metallica: apesar de manter a tradição da introdução lenta (e a de “Sandman” é uma das mais marcantes do rock até hoje) que estoura num som pesado, ela tem um único, insistente e grudento riff, um andamento linear e um refrão que faz multidões irem abaixo até hoje.

Se juntando a música carro-chefe do álbum, “Sad But True” tem um poder de fogo inabalável e também é peça obrigatória dos shows. Nem tão populares, mas igualmente sensacionais são “Of Wolf and Man”, “Holier Than Thou” e “Through the Never”. Seguem a mesma linha: sem andamentos mirabolantes ou riffs complexos, se mantendo em algo pesado, mas… fácil de se ouvir (diferente de insanidades feito a faixa-título de … And Justice for All, por exemplo).

Em compensação, as baladas aqui aumentaram e também deixaram de seguir a estrutura habitual. Apesar de “Fade to Black” e “One” serem duas das melhores composições da carreira do Metallica dentro desse estilo “The Unforgiven” é sem dúvida a mais bem pensada.

A intenção da banda era inverter os valores desse tipo de música que já tinham se especializado em fazer: enquanto as outras tem um andamento lento e um refrão pesado, esta é uma música pesada com um refrão quase reflexivo e um solo matador. Não bastasse essa ótima ideia, a introdução ainda é inspirada nas trilhas westerns de Ennio Morricone. “The Unforgiven” é uma das provas finais de que a banda queria mostrar que podia ir além do som pesado sem perder sua essência (tudo bem que só conseguiram isso nesse álbum, mas isso não vem ao caso).

A outra prova é a balada mais audaciosa do Metallica, “Nothing Else Matters”. Com um arranjo de cordas comandado por Michael Kamen (um nome que voltaria a aparecer na carreira da banda futuramente) e um lado mais melódico e melancólico que a banda já havia experimentado com “One”, mas nunca tinha ido tão a fundo como fez aqui. A letra foi escrita por James e expressa a saudade que ele sentia da namorada que tinha na época (é sério), mas a beleza da música é transcender completamente essa questão pessoal do vocalista.

É uma das melhores e mais pessoais composições dele e é exatamente por ser tão fácil de se identificar com o que ela diz, dentro de tantas situações, que entre os sucessos da banda, nenhuma foi tão abraçada por fãs de outros gêneros como ela (é provavelmente a música do Metallica que mais ganhou covers até hoje).

Não é só “Nothing Else Matters” que traz esse lado de James a tona. A letra agressiva e pessoal de “Dyers Eve” tomaria proporções gigantescas a partir daqui e a maior parte das suas letras iria além da guerra e destruição, trazendo reflexões da sua vida (“The God That Failed” e o desabafo sobre a triste perda da mãe, decorrente de sua devoção fervorosa a crenças religiosas), a luta contra demônios interiores (“The Unforgiven” e a busca pelo auto-perdão), sua vida na banda (“Wherever I May Roam” – uma das melhores da banda) e sua vida fora dela (“Of Wolf and Man” – James sempre gostou de sair para caçar).

Depois de uma sequência impressionante, o “Black Album” deixa duas músicas perdidas no final. “My Friend of Misery”, numa coincidência muito conveniente, é uma das únicas que tem a assinatura de Jason na composição e “The Struggle Within” é uma daquelas que são boas, mas se você para de ouvir o álbum antes dela, nem sente falta. Já a primeira é um tanto injustiçada, mas de fato, depois de tantas grandes músicas, ela acaba passando em branco.

Mas isso não faz diferença. O álbum homônimo do Metallica é sem dúvida uma das grandes realizações da banda e, independente de qualquer apelo comercial, é um dos mais marcantes álbuns de heavy metal/hard rock de todos os tempos. Sem medo de arriscar, o quarteto foi além, expandiu sua musicalidade como nunca e fez músicas prontas para se tornarem clássicos (o riff de “Enter Sandman” está junto com “Smoke on the Water”, “Paranoid” e “Whole Lotta Love” como um dos mais marcantes do rock).

O resultado disso foi o álbum mais vendido da banda até hoje (mais de 30 milhões de cópias), quatro singles de sucesso e primeiro lugar nas paradas do mundo inteiro. Sem perder sua identidade, a banda conseguiu manter sua relevância num momento delicado para o gênero ao qual se dedicavam.

Fazer um som mais comercial, mas mantendo o peso e a identidade, é um feito admirável e infelizmente, pelo que aconteceu com o Metallica nos álbuns seguintes… é algo que não se consegue fazer mais de uma vez.

Nota: 10
Para prestar atenção: Desnecessário lembrar das duas primeiras, então, fica aqui a lembrança de “Wherever I May Roam” (pessoalmente, uma das minhas favoritas) e “The Unforgiven”
Para pular depois da primeira escutada: Se você esquecer de ouvir as duas últimas nas próximas vezes que ouvir o álbum, ninguém vai julgar…

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Na terceira parte, as coisas começam a ficar estranhas… Cabelos curtos, maquiagem, pop, country, covers e orquestra estão na terceira parte da discografia comentada do Metallica. E aí começa a polêmica de verdade…

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