Comentando discografias: Metallica – Parte 1… Surgimento e consagração

Já faz um tempo que estou querendo colocar em prática essa ideia de comentar sobre as discografias das minhas bandas favoritas e aproveitando até esse longo – e por um tempo pensei até que poderia ser definitivo – sumiço, já retorno com essa novidade que, se tudo der certo, espero manter regularmente por aqui. E não podia começar com outra senão a minha banda favorita, que apesar da longa carreira, tem uma discografia curta, que refletiu perfeitamente todos os altos e baixos que o quarteto passou.

Com 8 álbuns de estúdio, um de covers e um com o histórico show com a Orquestra Filarmônica de San Francisco (o que segundo a própria banda, é a discografia oficial)… essa é a carreira de James Hetfield, Lars Ulrich, Kirk Hammett e Cliff Burton, substituído por Jason Newsted (após a morte de Burton) e depois por Robert Trujillo. Esse é o Metallica.

Algo de novo no reino

Kill ‘Em All (1983)

Metallica-Kill-Em-All-464770Destruidor, rápido e poderoso, o primeiro álbum do Metallica é a história do rock sendo feita. Um verdadeiro trem desgovernado se comparado aos trabalhos posteriores da banda, Kill ‘Em All é uma sequência arrasadora de riffs poderosos e letras agressivas, com tudo o que a banda queria passar naquela época.

Os maiores destaques são Burton e Hammett, dominando seus instrumentos com uma precisão incrível. E James está com uma voz que aparentemente só existiu nesse álbum, alternando entre gritos rasgados e os vocais únicos que ele apresentaria posteriormente. Apesar de ter um som mais cru do que qualquer outro trabalho da banda,  essa estreia já mostra que eles eram mais pretensiosos do que podia se esperar. 

A primeira música, “Hit the Lights” (presente numa versão mais crua – e um pouco inferior – na histórica coletânea Metal Massacre, de 1982), começa como se anunciasse a chegada de algo grandioso e “The Four Horsemen” traz pouco mais de sete minutos de riffs espetaculares e um solo matador, permanecendo até hoje como uma das melhores composições da banda (esta, junto com “Metal Militia”, “Phantom Lord” e “Jump in the Fire” – música mais boba do álbum – são as músicas creditadas também a Dave Mustaine. “…Horsemen” seria regravada com a letra original escrita por ele no álbum de estreia do Megadeth, em 1985, numa versão absurdamente mais rápida com o nome “The Mechanix”).

Há outros grandes momentos, como “MotorBreath”, que conta com uma introdução espetacular de Lars (tipo de coisa que não vemos ele fazer no palco atualmente) e “Seek and Destroy”, que virou um dos maiores hinos da banda, encerrando os shows num caos absoluto até hoje. Mas a música que anuncia e resume o que o Metallica estava fazendo ali de forma perfeita é a incrível “Whiplash”.

É o tipo de música que derruba tudo que está em seu caminho, alcançando exatamente o objetivo da banda. Com claros ecos de Motorhead, mas ainda mais rápido, lembrando o som sujo do punk, mas muito mais preciso… Não era simplesmente heavy ou speed metal e nem hard rock. Muito menos punk. 

Apesar do álbum todo deixar isso claro, é essa música que confirma: aquilo era algo novo. Existe uma certa discussão sobre os créditos da primeira banda desse gênero, mas o fato indiscutível é que, independente de quem veio primeiro, foi o Metallica que levantou e gritou para o mundo o que estava chegando. Kill ‘Em All era o mais puro thrash metal. Ironicamente, a partir daí a banda gradualmente iria se distanciar cada vez mais do estilo, mas sua contribuição para ele permanece irretocável.

Nota: 8,5
Preste atenção em: A já citada “Whiplash”, com o nascimento definitivo do thrash metal e “Seek and Destroy”, até hoje uma das músicas mais amadas pelos fãs.
Para pular depois da primeira escutada: “Jump in the Fire”, com seu riff enjoativo e letra boba.

A consagração 

Ride the Lightning (1984)

Ride the Lightning[1]
Uma palavra de ordem famosa no mundo da música é que o segundo álbum é a prova de fogo de toda banda. No caso do Metallica, que tinha tido uma ótima estreia, a missão era corrigir o que não tinha dado muito certo e melhorar o que já era bom. Mas a base de fãs que a banda já tinha arrumado naquela época não esperava o que foi Ride the Lightning.

Mais do que fazer melhoras, eles se superaram em absolutamente todos os aspectos, fazendo um álbum liricamente impecável e com uma sonoridade rica e muito mais complexa do que se esperava. A voz de James soa muito melhor, Lars fez algumas aulas de bateria, Kirk tem liberdade total para mostrar seu talento (já que no primeiro álbum entrou quando já estava praticamente feito) e Cliff deixa sua marca presente, de forma sutil, na maior parte do tempo, mas está lá. Logo no seu segundo álbum, o Metallica fez sua primeira obra-prima.

Das oito músicas do álbum, pelo menos sete se tornaram partes essenciais da mitologia da banda, estando entre as mais importantes da carreira deles (a exceção é a renegada “Escape”, divertida, mas perdida no álbum). É aqui que são criadas algumas tradições: “Fight Fire With Fire” tem a introdução lenta que estoura em um riff pesado numa música rápida, a fantástica “Fade to Black” é a balada poderosa que termina num solo arrasador (e esta em especial, permanece uma das melhores e mais bonitas composições do Metallica).

A insuperável “The Call of Ktulu” faz as vezes como a primeira longa canção instrumental, que explora toda a técnica e capacidade de cada um dos membros da banda e impressiona mesmo ouvir algo tão complexo e impressionante e compararmos com a insanidade do álbum anterior, feito com apenas um ano de diferença (e tanto ela quanto “Fade” são algumas das já citadas influências de Cliff, que nunca se ligou muito na ideia de músicas rápidas e barulhentas, o que ajudou a musicalidade da banda a ter um diferencial naquela época).

Contando com sua porção de thrash puro (a música que abre o álbum e a descontrolada “Trapped Under Ice”), o álbum ainda tem outras músicas que hoje figuram fácil em várias listas de hinos do heavy metal, como as inesquecíveis “For Whom the Bell Tolls” e a faixa-título, além da apoteótica “Creeping Death” (que hoje rende uma abertura espetacular para os shows da banda).

Repleto de músicas marcantes do início ao fim e com um poder incomparável, Ride the Lightning é o tipo de álbum que você escuta e, mesmo que não saiba nada sobre ele, já sabe que se trata de algo especial. Mas, por mais absurdo que pudesse parecer, o melhor ainda estava por vir…

Nota: 9,5
Preste atenção em: Para não dizer todas, em “Fade to Black” e “The Call of Ktulu”, em que a banda mostra sua evolução técnica de forma inigualável.
Para pular depois da primeira escutada: “Escape” parece até que foi colocada no álbum errado. Gosto da música, mas nem a banda entende muito bem o que ela está fazendo ali (tanto que só tocaram ela ao vivo uma vez, mais de 20 anos depois de lançada, e só porque tocaram o álbum na íntegra).

Master of Puppets (1986)

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Qual é a única maneira de fazer o sucessor de uma obra-prima? Talvez com uma outra ainda mais impactante! Dentro do seu gênero, Master of Puppets foi o momento em que o Metallica chegou mais próximo da perfeição. Não há solo desperdiçado, não há música solta, não há um momento ruim. São oito novas músicas, cada uma com um potencial único, todas verdadeiros clássicos anunciados.

“Battery”, prosseguindo com a tradição, começa com uma bela introdução acústica, mas culmina em algo ainda mais pesado e veloz que “Fight Fire With Fire”, sendo a melhor música inicial dentre os álbuns da banda. Há outros momentos em que a ferocidade, aliada a uma velocidade psicótica, dita as regras, caso de “Damage Inc.” e da sensacional “Disposable Heroes”, com sua ótima letra de protesto. “Welcome Home (Sanitarium)” é uma das mais angustiantes músicas do Metallica, enquanto “Orion” é um excelente instrumental que se equipara a “Ktulu”, do álbum anterior.

Ela ganharia um significado maior e mais emocionante muito em breve, servindo como o legado definitivo que Cliff deixaria para a banda. Mas, é claro, apesar de ter todas essas músicas fantásticas (e já que citei todas, não dá pra esquecer da ameaçadora “The Thing That Should Not Be” e da excelente “Leper Messiah”), quando se fala de Master of Puppets, ainda que isso seja meio chato, é quase uma obrigação “chover no molhado”…

A faixa-título, que se sobressai em comparação a todas essas, continua sendo até hoje uma das grandes músicas de heavy metal de todos os tempos. Com uma letra madura (assim como todas do álbum) que deixa o primeiro álbum definitivamente para trás, um riff inconfundível, solos que até hoje causam impacto ao vivo e um andamento insano e único (a música acelera, para no refrão, tem um solo lento e vai crescendo até explodir numa rajada destruidora).  Uma faixa épica, presença obrigatória entre as favoritas de 11 entre 10 fãs de heavy metal e um hino simplesmente espetacular para o gênero.

Ainda que estivesse nas suas raízes, foi com Master of Puppets que o Metallica se distanciou ainda mais do thrash, fincando seu lugar entre os grandes do heavy metal, algo que, a longo prazo (e resultados um pouco menos dignos), levaria a banda para além do gênero, transformando-a em uma das maiores da história do rock.

Nota: 10
Preste atenção em: É até redundância falar da faixa-título, então, ouça atentamente a “Orion”, dominada pelo baixo de Cliff, uma grande e definitiva herança para o Metallica.
Para pular depois da primeira escutada: É um álbum sem um único segundo ruim. Ouça inteiro uma vez e você vai querer ouvir sempre.

… And Justice for All (1988)

metalizaçãoNuma manobra inesperada do destino, Cliff Burton, o cara que mais contribuiu no diferencial e na riqueza da música do Metallica, havia partido, num terrível acidente de ônibus que até hoje ninguém entende muito bem como aconteceu. Mas, precisavam seguir em frente e, quando se ouve esse álbum, fica a sensação de que eles fizeram isso mais rápido do que deviam. Assumindo a difícil tarefa de substituir o insubstituível, Jason Newsted, da banda Flotsam and Jetsam, foi contratado como o novo baixista da banda.

Isso não fez muita diferença no fim das contas. Em … And Justice for All, o baixo é completamente omitido de todas as músicas e até hoje não se sabe ao certo se foi proposital ou não, mas independente disso, é algo imperdoável, levando em conta que era a chance de Jason mostrar seu potencial para substituir alguém do nível de Cliff.

Não bastasse esse fato lamentável, o resto da banda parece completamente fora de sintonia, como se cada um estivesse ali fazendo seu próprio trabalho e não o da banda em si. Existem poucos momentos como nos álbuns anteriores, em que cada membro se completa e as coisas se encaixam de forma perfeita.

Apesar disso, é quase loucura dizer que este é um álbum fraco ou algo próximo disso. Fato é que, mesmo com a questão da perda repentina de Cliff pairando sobre cada uma das músicas e da falta de harmonia da banda por causa disso, este é talvez o trabalho mais subestimado deles. Existem músicas realmente fantásticas, como a sombria “Harvester of Sorrow”, “The Shortest Straw” e a excepcional e marcante abertura, “Blackened”,

A semi-instrumental “To Live is to Die” serve como um belo e digno tributo a Cliff (a música se consiste de vários riffs criados pelo baixista, mas nunca usados até sua morte), enquanto “Dyers Eve” se destaca mais pela sua letra (um desabafo pessoal de James, algo que ficaria mais constante com o passar dos anos) do que pelo seu ritmo insano. Além delas, claro que o fato do álbum carregar uma das maiores criações da carreira da banda ajuda muito em torná-lo ainda melhor.

Hoje o Metallica já tem diversas músicas adoradas por pessoas que não são exatamente fãs da banda (principalmente do álbum que viria a seguir), mas a melhor representante desse grupo, de longe, é “One”, uma canção verdadeiramente épica contando a história de um soldado que perde os cinco sentidos na guerra, mas continua vivo, vegetando numa cama de hospital e implorando pela morte. A ideia terrível tem um resultado impactante e construído de forma belíssima, sendo uma obra-prima por si só. “One” é aquela música da banda que é unânime, não existe quem não goste, nem quem não consiga apreciar, independente de qual seu estilo dentro do rock (ou até mesmo fora dele).

Mesmo com essa incontestável obra-prima, … And Justice for All não fica no alto o tempo todo, como os álbuns anteriores. “The Frayed Eyes of Sanity” não tem nenhum brilho e parece uma sobra de estúdio (mesmo com o riff marcante) e a faixa-título, apesar da boa temática, se perde em repetições pela sua duração um tanto desnecessária e absurda e é bem cansativa de se ouvir uma segunda vez.

Mas são exceções num álbum que, mesmo com todos os problemas da banda ali, ainda é muito satisfatório. Destoando de tudo que a banda já tinha feito até aquele momento, por ter um clima muito mais agressivo e sombrio do que nos álbuns anteriores, este é um trabalho que merecia um pouco mais de crédito e lembrança dos fãs do que tem. Principalmente levando em conta tudo o que viria nos anos seguintes…

Nota: 8
Preste atenção em: “Blackened” é o tipo de música que você nunca mais esquece depois que ouve. “Harvester of Sorrow” também merece atenção especial. Precisa dizer mais alguma coisa de “One”?
Para pular depois da primeira ouvida: Definitivamente, a faixa-título, que bem poderia ter uns 3, 4 minutos a menos e não ia soar tão desperdiçada.

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Este foram os anos 80 para o Metallica. A década em que a banda fez os seus maiores clássicos e deu ao heavy e thrash metal alguns dos seus melhores álbuns e suas melhores músicas. A partir daí, as coisas mudariam drasticamente, levando a banda do posto de “uma das mais amadas” para “uma das mais polêmicas” do gênero. Mas que também ia ajudar a definir boa parte do que o quarteto representa para o rock atualmente.

A segunda parte da discografia comentada do Metallica vem em alguns dias. Enquanto isso, não deixe de dar sua opinião aí embaixo, comentando, elogiando, concordando ou discordando de tudo o que foi falado sobre esses álbuns. Nos vemos na parte 2!

4 comentários sobre “Comentando discografias: Metallica – Parte 1… Surgimento e consagração

  1. Mto boa matéria! Confesso que me surpreendi com sua avaliação de Kill ‘Em All (sempre achei que vc não fosse mto fã desse álbum), mas concordo com tudo oq vc disse!
    Em relação ao And Justice, não acho que é um trabalho tão sem crédito assim por parte dos fãs…eu mesmo curto bastante e o acho genial! As músicas são bem técnicas e complexas (One é o melhor exemplo disso). As letras tem um aspecto mais de críticas sociais e dyers eve, pelo menos pra mim, se destaca mais pelo som (sorry, hehe).
    Achei mto boa sua matéria, parabens! Quero só ver oq vc falará de Load e reload agora, haha!

  2. Cara, And Justice for All (música) pelo menos para mim, se fosse encurtada, o restante deveria ser usado em outra música, pois seria um crime jogar fora qualquer parte dela. Como ouvinte da banda apenas, não me considero fã, até por que não sou, tenho todos os álbuns baixados no computador, mas só o And Justice for All coloco no celular para ouvir sempre.
    Parabéns mais uma vez!

  3. Quando o Metallica ERA o Metallica… Os 4 primeiros discos que representam a melhor fase do grupo, de Kill ‘em All até o And Justice for All, são pra mim os melhores de sua discografia, com destaque para o meu favorito: MASTER OF PUPPETS, de 1986.

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